No início do século XX, a cidade de São Paulo fervilhava com o crescimento industrial e o avanço dos trilhos do progresso, mas era também um espaço marcado por desigualdades sociais profundas. Enquanto o centro urbano recebia imigrantes europeus e nordestinos em busca de trabalho, o futebol começava a se popularizar, mas com um detalhe: era um esporte reservado à elite paulistana.
Os primeiros clubes da cidade — como o São Paulo Athletic Club, o Club Athletico Paulistano e a Associação Atlética das Palmeiras — eram frequentados por filhos da aristocracia, empresários ingleses e burgueses locais. As classes populares, principalmente os operários que formavam a massa da cidade, não tinham vez, nem campo, nem camisa.
Foi nesse cenário de exclusão que nasceu um dos maiores símbolos de resistência e paixão do futebol brasileiro.
O Encontro Sob a Luz do Gás
Era uma noite comum de 1910 no bairro do Bom Retiro. Na rua José Paulino, sob um poste de luz a gás, cinco amigos se reuniram para conversar sobre o sonho que começava a tomar forma. Joaquim Ambrósio, um pintor de parede com alma de visionário; Anselmo Correia, um trabalhador determinado; Rafael Perrone, o mais eloquente do grupo; Antônio Pereira, que viria a ser o primeiro presidente do clube; e Carlos Silva, cujo entusiasmo era combustível para todos.

Todos eles eram apaixonados por futebol, mas cansados de apenas assistir aos jogos dos clubes da elite. A faísca final veio quando o Corinthian Football Club da Inglaterra — um time formado por amadores, símbolo de espírito esportivo puro — fez uma excursão pelo Brasil e encantou o público com sua técnica e garra.
“Se eles podem, por que a gente não pode?” — teria dito Joaquim Ambrósio, com os olhos brilhando.
1º de Setembro de 1910: A Fundação
Naquela mesma rua José Paulino, no número 34, nasceu o Sport Club Corinthians Paulista, no dia 1º de setembro de 1910. O nome foi escolhido em homenagem ao Corinthian FC, mas com uma adaptação à realidade paulistana e ao povo brasileiro.
“Um time do povo, para o povo, com o povo!” — proclamou Rafael Perrone.
Sem sede, sem campo, sem uniforme, mas com alma e coragem de sobra, o Corinthians foi, desde o início, diferente. Era o clube da gente comum, dos que suavam a camisa no trabalho e nos campos de várzea.
Os Primeiros Passos: Luta e Orgulho
Os primeiros jogos foram disputados em terrenos baldios, entre ferros e entulhos. A bola era remendada. O uniforme, improvisado. Mas a paixão era imensa. O primeiro jogo aconteceu no dia 10 de setembro de 1910, contra o União da Lapa. Vitória por 2 a 0 e o nascimento de uma crença: esse time veio para vencer.
Mas o caminho não foi fácil. Os dirigentes da Liga Paulista de Futebol, ainda dominada pelos clubes da elite, viam com desdém a ousadia dos operários. Em 1913, após muita insistência, o Corinthians finalmente foi aceito na liga.
“Vamos provar que somos mais que dignos. Vamos mostrar que o povo também sabe jogar!” — bradava Anselmo Correia em meio aos treinos duros e jornadas de trabalho exaustivas.
A entrada no campeonato foi uma batalha vencida, mas a guerra ainda estava por vir: mostrar dentro de campo que aquele time tinha qualidade.
A Primeira Glória: 1914, O Ano da Virada
Com menos de quatro anos de existência, o Corinthians se preparava para a temporada de 1914 com o coração pulsando forte. A torcida já crescia nos bairros operários e nos trilhos das oficinas. Os corinthianos eram reconhecidos pelo grito apaixonado, pela fé cega em um time que representava muito mais do que futebol.
A campanha no Campeonato Paulista foi impecável. Com o artilheiro Neco — o primeiro grande ídolo alvinegro — e uma equipe entrosada e valente, o Corinthians foi vencendo, jogo após jogo, até alcançar a decisão contra o Campos Elyseos.
A vitória por 4 a 0, no dia 8 de novembro de 1914, foi mais do que um placar. Foi uma explosão de emoção que ecoou pelos cortiços, pelas fábricas e pelos corações dos humildes.
“Somos campeões, e somos do povo!” — gritavam os torcedores em êxtase, muitos deles chorando ao redor do campo.
O primeiro título oficial não só coroava uma equipe, mas consagrava um movimento popular, um símbolo de resistência e identidade paulistana. O Corinthians deixava de ser apenas um time recém-nascido e se tornava uma entidade viva no coração da cidade.
Muito Além do Futebol
O Corinthians não foi apenas um clube que surgiu. Ele rompeu barreiras, quebrou preconceitos, desafiou os poderosos e representou uma revolução silenciosa.
Mais do que uma vitória, aquele título de 1914 foi a semente de uma paixão que ultrapassaria gerações. Um clube fundado à luz do gás, mas que brilhou e incendiou as arquibancadas, as ruas, os rádios, os estádios, os sonhos de milhões.
Como disse certa vez um velho torcedor:
“O Corinthians é o time que nasceu pra provar que ninguém cala a voz do povo.”